terça-feira, 24 de novembro de 2009

Auto-retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo

Autor: Haruki Murakami
Título original: HASRIHU KOTO NI TSUITE KATARU TOKI NI BOKU NO KATARU KOTO
Editora: Casa das Letras
Páginas: 186
ISBN: 9789724619231
Tradução: Maria João Lourenço

Sinopse: Em 1982, ao mesmo tempo que abandonava o lugar à frente dos destinos do clube de jazz e que tomava a decisão de se dedicar à escrita, Haruki Murakami começava a correr. No ano seguinte, abalançou-se a percorrer sozinho o trajecto que separa Atenas da cidade de Maratona. Depois de participar em dezenas de provas de longa distância e em triatlos, o romancista reflecte neste livro sobre o que significa para ele correr e como a corrida se reflectiu na sua maneira de escrever. Os treinos diários, a sua paixão pela música, a consciência da passagem do tempo, os lugares por onde viaja acompanham-no ao longo de um relato em que escrever e correr se traduzem numa forma de estar na vida.
Diário, ensaio autobiográfico, elogio da corrida, de tudo um pouco podemos encontrar aqui. Haruki Murakami abre o livro das confidências (e a sua alma) e dá a ler aos seus fiéis leitores uma meditação luminosa sobre esse ser bípede em permanente busca de verdade que é o homem. 

Opinião: Nunca tinha lido nada de Haruki Murakami e não sei se esta espécie de autobiografia foi a escolha mais acertada. Isso só saberei quando me aventurar num dos romances que tenho em standby na minha estante ("Sputnik, Meu Amor" e "Os Passageiros da Noite"). Decidi, pois, fazer o percurso inverso: conhecer primeiro o autor e depois a sua obra. Mesmo que não me venha a apaixonar pelos romances de Murakami, como tem acontecido com tantos leitores, já me dou por satisfeita por ter tido a oportunidade (e o privilégio) de conhecer um homem excepcional. Só por isso, valeu a pena.

Levo uma vida sedentária e já há alguns anos que não pratico desporto. No entanto, a corrida (e muito menos a de fundo) nunca me agradou, isto é, detesto correr, por muitas razões que não cabem aqui. Assim, parti para a leitura deste livro com alguns receios e esperei não me identificar de todo com o que ia encontrar pela frente. Mas não deixei que este «bloqueio» pessoal relativamente ao atletismo me impedisse de apreciar o que ia lendo.
É óbvio que subjacente a toda a narrativa está a corrida de fundo, mas este não é um manual para os corredores ou um tratado sobre a corrida. Murakami recorre ao acto de correr, que faz parte da sua vida há mais de 20 anos, para se definir enquanto homem e escritor. E isso faz toda a diferença. Este é um livro especialmente interessante para todos os leitores em geral, porque permite que se vislumbrem algumas das etapas do processo criativo que está por detrás da escrita. No 2º capítulo ("Como tornar-se um romancista com vocação para corredor de fundo"), Murakami explica como se tornou escritor, afirmando mesmo lembrar-se com precisão da data e da hora em que tomou essa decisão. São-nos dados a conhecer alguns pormenores do seu início de carreia, como se estivéssemos a ler uma espécie de «making of».

O livro faz todo o sentido porque para Murakami a corrida e a escrita são processos que se complementam, ficando a sensação de que o segundo não existiria sem o primeiro. Como um verdadeiro estilo de vida (já que o autor explica que não se identifica com a vida boémia e - por vezes - decadente de alguns escritores, que nesse modus vivendi procuram a sua inspiração), a corrida permitiu-lhe adquirir concentração, força de vontade, obstinação e método, elementos que considera fundamentais na escrita de um romance. Como para Murakami a escrita é um processo simultaneamente intelectual e físico, o exercício é-lhe essencial. Faz parte da sua vida e é quase tão importante como o próprio facto de estar vivo.

Este "Auto-retrato do Escritor Enquanto Corredor de Fundo" dá a conhecer um homem profundamente honesto e sincero (por vezes até brutalmente sincero), que vive consoante objectivos previamente delineados e muito bem definidos. 
Ao contrário do que se possa imaginar (e mesmo tendo participado em inúmeras maratonas e triatlos), Murakami não é competitivo. Não lhe interessa a vitória ou ganhar aos outros. Só se quer superar a si próprio. Tendo-se esforçado até aos limites das suas forças e capacidades dá-se por satisfeito com o resultado final. Não poderia ser de outra maneira, pois um progressivo aperfeiçoamento, na corrida de fundo ou na escrita, não se coadunam com o processo irreversível que é o envelhecimento, com o qual, aliás, está pacificado.

Murakami quer continuar a correr até ser capaz - uma vontade que se estenderá, por analogia, ao domínio da escrita. Quer ser recordado como um escritor e corredor de fundo que nunca caminhou a passo. O resto, pouco lhe interessa, pois como acaba por confessar, sempre foi um solitário que se adaptou às circunstâncias de uma vida em sociedade.

Não posso deixar de referir que a tradução do livro é absolutamente notável, o que faz mais ainda mais recomendável esta edição. Foi, sem dúvida, das maiores surpresas literárias deste ano.
Classificação: Excelente (9/10)


6 comentários:

Sofia disse...

Bem diferente de Kafka à Beira-Mar que estou a ler e a A-D-O-R-A-R!!!
Convenceste-me! Vou pedir este livro ao Pai Natal!
Beijinhos

Tiago Mendes disse...

Já li três livros de Haruki Murakami, todos este ano: Sputnik, Meu Amor; A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol; e Crónica do Pássaro de Corda. Actualmente estou a ler este.

No espaço de nove meses, este autor já se tornou o meu favorito de sempre. Com o primeiro surpreendeu-me, com o segundo confirmou-se, e com o terceiro levou ao expoente máximo a sua escrita. Não vais querer perder tempo com um dos romances dele... o homem escreve maravilhosamente bem!

E este auto-retrato está a ser tão delicioso de ler.........

Tiago

Jojo disse...

Eu sou uma desnaturada! Ainda não experimentei este escritor.
Já pedi para o Natal!

Bjokas*

JM disse...

É sempre tempo de conhecer! Eu também não sou melhor, porque tenho cá dois livros dele em casa e ainda não arranjei coragem para começar a ler. De qualquer modo, já subiram para o topo da lista.

Bjs**

Nuno Chaves disse...

tb. possuo sputnik meu amor, mas nunca o li, é sempre bom ler outras opinioes, sobre determinados autores para nos fazer avancar com algumas leituras, que estao dificeis de arrancar.
beijinhos.

JM disse...

Murakami, pelo menos para mim, é mesmo um desses casos... Os livros estão à mão de semear, as críticas são invariavelmente fantásticas, mas por qualquer razão a leitura é sempre adiada. Espero que agora me entusiasme!

Bjs*