segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Caim

Autor: José Saramago 
Editora: Caminho 
Páginas: 181 

Sinopse: Quem diabo é este Deus que, para enaltecer Abel, despreza Caim?
Se em O Evangelho Segundo Cristo José Saramago nos deu a sua visão do Novo Testamento, em Caim regressa aos primeiros livros da Bíblia. Num itinerário heterodoxo, percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha pela mão dos principais protagonistas do Antigo Testamento, imprimindo ao texto o humor refinado que caracteriza a sua obra.  
Caim revela o que há de moderno e surpreendente na prosa de Saramago: a capacidade de fazer nova uma história que se conhece do princípio ao fim. Um relato irónico e mordaz no qual o leitor assiste a uma guerra secular, e de certa forma, involuntária, entre o criador e a sua criatura.

Opinião: Nunca tinha lido José Saramago e confesso que não foi propriamente a vontade de conhecer a sua Obra que me motivou; foi, antes, e como não podia deixar de ser, a monumental polémica que se gerou em torno do lançamento de Caim que me «aguçou o apetite». No entanto, não «devorei» propriamente o livro; aliás, demorei um bocadinho mais a lê-lo do que tinha previsto porque me pareceu por bem «saborear» cada metáfora, cada imagem e, especialmente, cada crítica (bem)humorada.

Não me converti por completo a JS só por ter lido uma das obras (e ainda por cima a que gerou mais polémica até agora), mas seguramente me aventurarei nas que tenho lá na estante em lista de espera (O Evangelho Segundo Jesus Cristo e A Jangada de Pedra). Assim, Caim acabou por ter o efeito imediato de me aproximar a um autor que me tinha passado completamente despercebido até agora.
Embora o «caso» que se criou em torno das declarações de JS tenha estimulado o meu interesse pelo livro, quero sublinhar que não parti para esta leitura com ideias pré-concebidas ou com qualquer tipo de desconfiança, e muitos menos fui condicionada pelo facto de ter como base um episódio bíblico (que, por mera casualidade geográfica no que ao meu nascimento diz respeito, é parte integrante da tradição judaico-cristã em que me culturalmente me insiro).

Não é a mim que compete fazer a análise da obra de Saramago, função para a qual nem sequer estou habilitada. Como simples leitora, só posso fazer o que sempre me proponho: partilhar com quem me visita as minhas impressões sobre os livros que li. E Caim é para ser lido pelo livro que é - é um romance, uma ficção, uma boa história, mas apenas isso, pois nunca em momento algum senti que o autor tivesse o objectivo de «esmiuçar» criticamente o Antigo Testamento. O leitor nem sequer deve considerar que o Deus de JS é o «seu» Deus, pois , em última análise, cada um de nós encara a fé e a religião à sua maneira.
Digo isto porque não me parece que um homem que se deu ao trabalho de escrever um livro como este seja ateu.

Diz o ditado que "só se sente quem é filho de boa gente" e só se mostra tão ofendido quem dá importância. A revolta de JS, reflectida na postura de Caim, que mata Abel por não poder matar Deus, não é de quem é indiferente; é (e foi o que me pareceu) um desabafo de quem se desencantou e ao querer «ferir» com palavras duras a divindade o autor acabou por torna-la mais humana do que nunca. Este Deus de Saramago é cruel, falso, rancoroso, ganancioso, vingativo e impaciente, pois acaba por partilhar com os Homens os seus maiores defeitos.

Ao acompanhar as deambulações de Caim, condenado a uma vida errática e desprendida, o leitor é confrontado com diversos episódios do Antigo Testamento, que Saramago ficcionou. Viajamos até ao Monte Sinai, a Jericó, às Terras de Nod e até vislumbramos a Torre de Babel e nos podemos perder, logo de início, no Jardim do Éden. No entanto, sabemos que não passa disso mesmo, de uma viagem proporcionada por um intelectual dotado de uma grande imaginação (e de um humor absolutamente soberbo), não fosse o próprio admitir que o relato não tem nada de histórico.

Aqui ficam alguns dos trechos de que mais gostei:
"Há quem afirme que foi na cabeça dele [de Set] que nasceu a ideia de criar uma religião, mas desses delicados assuntos já nos ocupámos avonde no passado, com recriminável ligeireza na opinião de alguns peritos, e em termos que provavelmente só virão a prejudicar-nos nas alegações do juízo final quando, quer por excesso quer por defeito, todas as almas forem condenadas".
"E que senhor é esse que ordena a um pai que mate o seu próprio filho, É o senhor que temos, o senhor dos nossos antepassados, o senhor que já cá estava quando nascemos, E se esse senhor tivesse um filho, também o mandaria matar, perguntou isaac, O futuro o dirá, Então o senhor é capaz de tudo, do bom, do mau e do pior, Assim é".
"Se o senhor não se fia das pessoas que crêem nele, então não vejo por que tenham essas pessoas de fiar-se do senhor".
Caim não é uma obra-prima, mas é «divinal» e anda lá muito perto.
Classificação: Excelente (9/10)

Devido ao gigantesco «circo» que se montou em torno desta obra, aqui ficam os links para outras críticas que fui encontrando:
N Livros

8 comentários:

Jojo disse...

Olá!
Eu por acaso já estou familiarizada com a escrita de Saramago. Ainda não li este. Está na lista.Nem que seja para conhecer a fonte de tanta polémica.

Bj*

JM disse...

Acho que não se não fossem as declarações no lançamento do livro nem tinha existido grande polémica; talvez uma ou outra crítica mais dura. Eu gostei pela maneira como está escrito, só isso :)

Sofia disse...

Concordo contigo. Li e adorei Caim. A minha estreia com Saramago foi há um ano com "A viagem do elefante". Se gostaste do sentido de humor deste autor, vais dar umas boas gargalhadas com esse livro.
Saramago, ou se ama ou se odeia. Acho que eu e tu estamos mais para o primeiro lado. Para mim é um Grande Senhor da nossa litatura!

Já agora aproveito para agradecer a referência ao meu blog Esmiuçar os Livros :)

JM disse...

O sentido de humor agradou-me e muito! Fiquei mesmo muito surpreendida, porque sempre pensei que não ia gostar de Saramago e, mais uma vez, reconheço que só depois de ler é que se pode ter opinião.
A referência não é para se agradecer ;) Gostei muito da tua opinião e agradeço pela dica de "A Viagem do Elefante"!

Tinkerbell disse...

oi JM já vou registar o teu nome na lista dos participantes, tb ainda não tenho o livro lol mas quero-o ter no inicio de dezembro para iniciarmos a leitura (espero que consigas tb!) e claro que podes divulgar no blog até porque dp o especial da leitura conjunta com as opiniões e por aí, era fixe que quem tiver blog publicar no seu (dp faço uma montagem toda xpto com as opiniões todas, agora é preciso é participantes para se terem opiniões hahaha :D) bjs**

Páginas Desfolhadas disse...

Olá:

Têm um mimo à espera no Páginas Desfolhadas.

Boas Leituras!

Unknown disse...

Ainda não li o Caim, mas o que me levou a responder a este tópico foi o facto de dizer que pretende ler O Evagelho e a Jangada de Pedra. Se me permite o conselho, comece pela Jangada. Já me aconteceu várias vezes começar a ler um autor pelos livros menos atractivos ou mais complexos e cair em ideias erradas sobre o mesmo, ou então considerá-lo demasiado obscuro.
Como leitor assíduo de mestre Saramago, aconselho, para começar a Jangada de Pedra ou, por exemplo, O Ensaio sobre a Cegueira ou melhor ainda, esse sério divertimento que é As Intermitências da Morte.

JM disse...

Manuel,
Muito obrigada pelas suas sugestões!! Não tenho conseguido trocar muitas opiniões sobre conhecedores da obra de Saramago e vou seguir os seus conselhos. Referi "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", na medida em que o comprei juntamente com "Caim", mas como por cá também mora "A Jangada de Pedra", escolherei esse para uma nova incursão na prosa de JS.
Obrigada, mais uma vez.