segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Morreu a poetisa italiana Alda Merini


A poetisa Alda Merini, de 78 anos, considerada a última grande expoente deste género em Itália, faleceu no domingo no hospital São Paulo de Milão após prolongada doença, informaram os "media" italianos.
Merini dedica a sua obra aos excluídos, aos que sofrem e, sobretudo, à loucura. Ela própria esteve internada algum tempo num centro para doentes mentais.
Merini era considerada a maior poetisa italiana viva e uma das grandes escritoras do século XX em Itália. Ler mais


A Terra Santa (1984) é o primeiro livro traduzido e publicado em Portugal de Alda Merini, do qual aqui fica um excerto:
A Terra Santa

Conheci Jericó,
também eu tive a minha Palestina,
os muros do manicómio
eram as muralhas de Jericó
e um poço de água infecta
baptizou-nos a todos.
Lá dentro éramos judeus
e os Fariseus ficavam no alto
e, perdido na multidão,
estava também o Messias:
um louco que gritava aos céus
todo o seu amor por Deus.
Todos nós, rebanho e ascetas
éramos como pássaros
e de vez em quando uma rede
obscura aprisionava-nos
mas íamos a caminho da colheita,
a colheita do nosso Senhor
e Cristo o Salvador.
Formos lavados e sepultados.
cheirávamos a incenso.
E depois, quando amávamos
davam-nos choques eléctricos
porque, diziam, um louco
não pode amar ninguém.
Mas um dia de dentro do sepulcro
também eu me levantei
e também eu como Jesus
tive a minha ressurreição,
mas não subi aos céus
desci ao inferno
de onde revejo estupefacta
as muralhas da antiga Jericó.

40

O meu primeiro transfúgio de mãe
aconteceu numa noite de verão
quando um louco pegou em mim
e me deitou na relva
e me fez conceber um filho.
Ó nunca a lua gritou tanto
contra as estrelas ofendidas,
e nunca gritaram tanto as minhas entranhas,
nem o Senhor voltou tanto a cabeça para trás
como naquele exacto momento
vendo a minha virgindade de mãe
ofendida num ludíbrio.
O meu primeiro transfúgio de mulher
aconteceu num canto escuro
sob o calor impetuoso do sexo,
mas nasceu uma menina gentil
com um sorriso tão doce
e tudo se perdoou.
Eu é que nunca irei perdoar
e aquele menino foi-me retirado do ventre
e entregue a mãos mais "santas",
fui eu a ultrajada,
eu que subi aos céus
por ter concebido uma génese. 
___________________________________________________________________________________________________________

Alda Merini nasceu em Milão em 1931. O seu primeiro livro de poesia, La presenza di Orfeo (A presença de Orfeu), publicado em 1953, foi muito bem recebido pela crítica. Seguiram-se-lhe Paura di Dio (Medo de Deus, 1955), Nozze romane (Núpcias romanas, 1955), Tu sei Pietro. Anno 1961 (Tu és Pedro. Ano 1961, 1962).

Após um silêncio editorial que se prolonga por vinte anos, Alda Merini volta a publicar poesia: Destinati a morire. Poesie vecchie e nuove (Destinados a morrer. Poemas velhos e novos, 1980), La Terra Santa (A Terra Santa, organizada por Maria Corti, 1984 – prémio Citadella, 1985) e Testamento (org. por Giovanni Raboni, 1988).

Nos anos 90 dá início a uma nova fase na escrita e publicação, com o aparecimento dos livros em prosa centrados na sua própria pessoa. Assim surge L’altra verità. Diario di una diversa (A outra verdade. Diário de uma pessoa diferente, 1986), Delirio Amoroso (Delírio Amoroso, 1989), Il tormento delle figure (O tormento das figuras, 1990), Le parole di Alda Merini (As palavras de Alda Merini, 1991), La pazza della porta accanto (A louca do lado, 1995), La vita facile. Sillabario (A vida fácil. Silabário, 1996) e Lettere a un racconto. Prose lunghe e brevi (Cartas a um conto. Prosas longas e breves, 1998).

Foi-lhe atribuído o Prémio Librex-Guggenheim “Eugenio Montale” pela sua poesia em 1993, em 1996 o Prémio Viareggio, em 1997 o Prémio Procida – Elsa Morante e, em 1999, o Premio della Presidenza del Consiglio dei Ministri – Settore Poesia.

Sem comentários: