Todas as manhãs, a caminho do emprego, tenho por hábito ouvir rádio (só durante uns minutos, porque tenho a sorte de não morar longe do meu local de trabalho). Normalmente, como dita a rotina, oiço o segmento de um conhecido comentador de assuntos relacionados com a Economia e Finanças e, regra geral, faço-o com agrado - em suma, não percebo grande coisa do assunto e aprecio quem me tenta trocar o dito «por miúdos».
Hoje falava-se do desemprego que, pelos vistos, vai continuar a crescer (talvez até muito mais do que imaginamos) em 2010, embora a economia portuguesa tenha registado um crescimento acima do que se esperava (no último trimestre ou qualquer coisa desse género, mas eu sou de letras, por isso não sei).
Adiante... parece também que não são só pessoas não qualificadas que têm (infelizmente) perdido os seus empregos e cada vez mais surgem nessas estatísticas pessoas com formação superior e, nomeadamente, jovens recém licenciados. Até aqui tudo bem, porque, em última análise, o acesso ao ensino superior generalizou-se e o facto de se privilegiar em Portugal o ensino público faz com que a Universidade (e agora com Bolonha os mestrados) seja a etapa natural que se segue ao ensino obrigatório - do tipo, a licenciatura, como costumo dizer na brincadeira, é o novo 12º ano.
Tudo isto é mais ou menos do senso comum e não causa qualquer choque. Acontece e pronto. O que me levou a dissertar sobre esta questão foi o facto de o dito analista afirmar que se estatisticamente a maior parte dos desempregados com formação superior são da área de Letras é preciso reformular o sistema porque, e em jeito de citação, "a economia não precisa deles".
Contra mim falo, porque sou de Letras, sempre fui e continuo teimosamente a ser (é uma espécie de «amor à camisola»), embora esteja num emprego que interessa mais à economia (prestação de serviços e essas coisas giras). No entanto, não sou propriamente feliz e se me dessem a escolher preferia contribuir para o PIB de outra maneira.
Não me parece plausível que se possa resumir a questão do desemprego dos jovens recém licenciados ao facto de não terem tido o discernimento de ingressar em cursos que realmente interessassem à economia. Com tantos milhares de jovens portugueses é de supor que tenham formações diversificadas e muitos deles até se decidem pelas áreas mais tecnológicas que dizem tanta falta nos fazer. No entanto, a cultura TEM QUE interessar à economia e para isso precisamos de muitos licenciados em Letras - e acreditem que há muito boa gente com vontade de trabalhar naquilo para que realmente estudou (eu, por exemplo) e poder viver disso.
A economia, que mais parece um austero ditador no nosso dia-a-dia, precisa de todos nós, tenhamos nós formação em economia e gestão, engenharia, medicina, direito, jornalismo, história ou tantos outros cursos que por aí existem.
Aliás, é fácil para uma pessoa formada em Economia dizer que «os outros» não servem ao país: os intelectuais sempre transportaram o estigma de não produzirem matéria palpável e de não serem produtivos, não fosse a «produtividade» um conceito que nos persegue diariamente. No entanto, parece-me existir uma relação intrínseca entre a riqueza de um país e o seu nível cultural. A mim pouco me interessa viver num país economicamente interessante mas culturalmente pobre. Aliás, nos bons exemplos que existem por esse mundo fora há uma constante e se os senhores economistas se dessem ao trabalho veriam que nesses o nível cultural é proporcional à robustez do sistema produtivo.
Se a economia portuguesa não precisa de toda a gente então aí poderá estar um grande problema: enquanto país só vamos para a frente em conjunto e não podemos deixar de fora aqueles que num determinado momento específico já não servem, mas que poderão vir a dar imenso jeito no futuro, que espero que esteja bem próximo.
3 comentários:
Eu cá sou de Ciências, mas defendo o pessoal de letras, dizendo que não são produtivos em material quantitativo, e isso chateia os economistas. "Se não se puder medir, não existe" é o lema deles :P
É exactamente isso que irrita! Muita tecnocracia e pouca largura de horizontes ;) Todos somos necessários e úteis!
Bem, cá vem uma menina de letras a exercer na área dela e que, felizmente, se tem sido muito útil ;)
Cada um tem o seu lugar e todos precisamos uns dos outros para as engrenagens da nossa sociedade rolarem na perfeição, sem desacertos. Talvez a conceitos como os desse economista se deva o desequilíbrio social que vemos à nossa volta e, assim, é muito mais difícil a "máquina" andar em frente...
Beijinho, JM :)
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